30 de junho de 2010

Prometo-te um amigo

Não sei de onde vieste
mas vieste
Não sei como apareceste
mas apareceste
Não sei porque és
mas és
És tu que me faz pensar
Acreditar e renascer
Já não me importo
Já não quero saber
Que irá acontecer
Só já consigo sonhar
Só já consigo querer
Fizeste-me acreditar
Nós dois a caminhar
na estrada sem fim
Não temos que hesitar
Tu sabes que sim
Já não quero saber
Desde que venhas comigo
Vamos voltar a nascer
Conhecer como sou
Conhecer como és
Vem que eu vou
Vamos os dois partir
Começar outra vez
Nada nos irá impedir
Não digas que não 
Não estamos a fugir
Estamos a principiar
Eu sei que tens medo
Eu também tenho
Não é nenhum segredo
Mas não quero ficar
e tu também queres vir
Vamos os dois arriscar
dar o passo e agir
Vem! Vem comigo!
Não te prometo um amor
Mas prometo-te um amigo

Santo e Pecador

28 de junho de 2010

Oásis



Aquela praia-contraste
Entre a liberdade e a Lei
(Aquela praia ignorada!)
Foste tu que ma mostraste
Ou fui eu que a inventei?
Lençol de seda ou de linho?
Lençol de linho bordado?
Deitei-me nele ao comprido...
Lençol de seda ou de linho?
Lençol de espuma rompido...
Lençol de areia queimado!
Ai! aquela praia! Aquela
Que, na minha embriaguez,
Manchei sem dó! Fiquei triste
Logo da primeira vez
Em que a vi... Não o sentiste?
Agora, lembro-me dela
Como um lençol de renda
Rasgado por minha mão...
E fico triste, tão triste!
Todas as praias são brancas
E só aquela é que não!


Pedro Homem de Mello

27 de junho de 2010

Se

Se estivesses nos meus olhos por um dia
Verias a beleza que, cheia de alegria,
Encontro dentro dos teus olhos
Ignoro se é magia ou realidade

Se estivesses no meu coração por um dia
Poderias ter uma ideia
Daquilo que eu sinto
Quando me abraças fortemente a ti
E peito a peito, nós
Respiramos juntos

Protagonista do teu amor
Não sei se será magia
Ou realidade

Se tu estivesses na minha alma um dia
Saberias o que sinto em mim
Que me enamorei
Desde aquele instante junto a ti
E que o que sinto é
Somente amor

Allesio de Sensi

numa fantástica música de Ennio e Andrea Morricone

26 de junho de 2010

Jardim Perdido


Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura das àrvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.

Sophia de Mello Breyner Andresen

5 de junho de 2010

Não digas nada







Não digas nada. Talvez
Não existe nada, nada,
Nesse reino - que esquecemos -
Das palavras.

Não digas nada. Essa curva
Do teu braço docemente
Sobre a curva dos meus olhos
Deve dizer o que ainda
Felizmente não dissemos.

Alberto de Lacerda

1 de junho de 2010

Contemplo o lago mudo








Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Fernando Pessoa, in "O cancioneiro"